A palavra discriminação é uma das mais usadas no vocabulário corrente da busca de direitos humanos. Indica uma ação separatista, a exclusão de uma pessoa ou de uma coletividade por razões étnicas, sociais, políticas, de gênero ou mesmo por razões fúteis como a quantidade de formas de bulling exercidas, sobretudo, entre os jovens.
O verbo discriminar ou o substantivo discriminação são parte de condutas de indivíduos e coletividades que têm se desenvolvido em nossas sociedades capitalistas muito hierarquizadas. Discriminação por classes, cores, conhecimentos, sexos, religiões, partidos políticos dependendo das valorações hierárquicas que se fazem das pessoas.
A discriminação ou a distinção feita entre as pessoas não tem a ver com a afirmação de sua originalidade própria ou a afirmação de seus valores pessoais, mas sim tem origem em preconceitos que impedem que a pessoa viva e exerça os direitos aos quais por Constituição nacional e pelos Direitos Humanos universais deveria aceder. À primeira vista todos nós condenamos as discriminações. Declaramos verbalmente que isto é um crime e que ninguém deveria discriminar ninguém, que as pessoas têm o direito a serem respeitadas no que são e nas suas escolhas.
A gente deveria talvez fazer algumas perguntas para que nos ajudemos a refletir melhor sobre este problema. Quem discrimina quem? E por que se discrimina o outro ou a outra?
Precisamos reconhecer que o processo de discriminação acontece em cada um/uma de nós. Não são apenas os outros que discriminam, mas eu também que aponto o dedo para as muitas discriminações sociais que existem. Sou eu que falo da discriminação, que sei o que ela é, que denuncio aqueles que julgo discriminadores, eu mesmo também discrimino.
Ao admitir que o discriminador sou também eu, posso dar o passo para lutar contra as muitas formas de discriminação. Estou abrindo as portas para processos educativos a partir dos quais podemos avançar melhor para a transformação das relações sociais.
Estou sublinhando a importância do sujeito e, portanto, de nossa subjetividade nas mudanças sociais que propomos ao mundo. Examinar a minha conduta discriminatória desde as lembranças de minha infância talvez nos ajude a perceber como os processos sociais de discriminação se desenvolvem em nós e se tornam comportamentos sociais naturalizados. O fato é que desde o nosso nascimento já encontramos uma sociedade que discrimina pessoas de diferentes maneiras. Por exemplo, os diferentes racismos que nos habitam provêm de uma educação em que quase sem pensar admitimos a superioridade da cor branca em relação à cor negra. Da mesma forma ouvimos falar de índios como ‘selvagens’ e ‘selvagens’ como mais próximos da animalidade e em consequência achamos que a animalidade é inferior a racionalidade que pretendemos possuir. Lembramos também como em nossas famílias as meninas são consideradas mais fracas e têm sempre que reproduzir modelos de brincadeiras ligadas a trabalho doméstico. Sem perceber os meninos vão considerá-las menos importantes que eles e feitas quase que para servi-los. Nascemos e nos educamos com preconceitos. Embora não possamos eliminar todos, há que tentar sempre eliminar o maior número de preconceitos e a discriminação de pessoas. Há que pensar o que seria de mim se eu estivesse no lugar daqueles que são discriminados. Por isso, educar-nos na certeza de que nossa individualidade depende da outra diferente da minha é um pequeno passo para criar mais simpatias que antipatias entre nós.
Nossa educação é cheia de preconceitos e de discriminações que vão se acrescentando a nós quase sem percebermos. E é nesse processo de grupos diferenciados que às vezes se opõem que acontece a formação dos indivíduos que somos. Cada um de nós desenvolve em certa medida preconceitos e discriminações que começam com pequenas distinções consideradas normais e depois se transformam em hábitos, até julgarmos natural impedir negros de ganharem o mesmo salário que brancos, até acharmos natural tomar as terras dos ‘selvagens’ indígenas, até gostarmos de ridicularizar os gordos ou os magros demais. Não se trata de, como dizem alguns, não poder mais brincar ou rir uns dos limites dos outros. Isto é sempre bom e recomendável. Porém, preconceito e discriminação não são risíveis, são pragas sociais que crescem, eliminam direitos e matam pessoas. Por isso temos que eliminá-las.
Dezembro 2020